A minha infância e adolescência foram vividas no bairro do Guamá. Nossa rua era pobre e nossa casa também. Algumas áreas do bairro eram consideradas violentas. Nosso quintal era protegido por uma cerca frágil, feita de estacas de acapú.
A cerca mantinha as galinhas presas no quintal e toda as vezes que éramos ameaçados pelos moleques grandalhões, eu e meus irmãos, corríamos para dentro daquele cercado e ele, mesmo fraquinho, segurado por poucos pregos enferrujados, algumas estacas rolados pela água da chuva, nos protegia das ameaças, do emprego da força e dos arbítrios.
Aquela cerca simbolizava uma instituição de respeito no bairro, a família, representada pelos pais, pelos mais velhos. Naquela época as pessoas respeitavam os mais velhos, eles tinham autoridade no bairro e mesmo os fortes, acostumados a resolver as pendências e fazer valer sua opinião na porrada, respeitavam o cercado, porque respeitavam a casa das famílias e os pais.
A cerca era uma verdadeira garantia institucionalizada, nosso art. 5.º, onde estava escrito o nosso direito fundamental de brincar livremente na rua sem ser ameaçado pelos arbitrários e mesmo quando a ameaça vinha, estava lá a cerca para dizer que dali não se devia passar, para não violar os princípios e garantias de poder viver, constituir família e criar os filhos em segurança.
Estamos no momento de proteger as cerquinhas de madeira da nossa democracia e das liberdades individuais.